eu vi um fantasma de carne
eu ouvi um fantasma de carne
ruído é voz de gente morta
rádio é voz de gente morta
um fantasma faz eco mas não repete nada
cada som é uma pedra que quebra estalada no seu dente
cada som é réplica e o eco da soma de todas as mortes
rádio é voz de gente morta
2.
não queremos
os personagens de kafka que todos chamam de fantasma
não queremos derrida e nenhuma fantasmagoria
quando mais nova, eu tinha medo das visitas do fantasma de paul celan
eu não sabia que paul celan sempre tinha sido um fantasma
hilda perdeu tempo falando com fantasma no som vazio
e nem notou que o som era eco
theda bara, dizem que ela parece um fantasma
eu gosto do fantasma que o fantasma de theda bara parece ser
há amigos-fantasma presentes pela ausência
eu espero que estejam bem os fantasmas dos meus amigos
e até os fantasmas dos fantasmas dos meus amigos
às vezes eu mantenho longas conversas com os meus amigos-fantasma
e esqueço de falar direito com os fantasmas deles
eu converso com o fantasma do fantasma que você acha que é
não é nada demais isso
é um susto de navalha cortada que espanta o susto que você tomou
3.
fantasma pós-enforcamento
fantasma de morte súbita
fantasma morte a vida toda
o fantasma de quem desistiu de nascer
fantasma de todas as coisas menos você
fantasma lembrança fantasma na saída
não há fantasma na entrada
fantasma todas as mortes foram essa daqui
o fantasma eleito de um fantasma escolhido
premonição: o fantasma do presidente que vai escolher morrer
é uma pena que a sua voz seja só uma voz nessa máquina
é uma pena que a sua voz seja só uma voz nessa máquina
rádio é voz de gente morta
4.
sonhei outra noite que eu enforcava diferentes pessoas
mortas, elas não tinham resto, nem sobra
eram fantasmas trancados pelos ouvidos, por dentro
naquele dia em que um som abandonado virou fantasma - um ruido que saiu pela pedra
naquele dia em que um som abandonado virou fantasma - de um ruido que saiu da pedra
II. CORPO DE FANTASMA
1.
não há nada branco em um fantasma
nem luz, brilho, não há nenhuma cor de susto que seja própria de um fantasma
mas há a perversidade das cores: todas elas querem ser fantasma
rosa fantasma, ferrugem fantasma, vermelho fantasma
todo um arco iris morto tipo fantasma
a carne de fantasma prova que o fantasma tem um corpo
é melhor deixar a comida sobre a mesa e uma luz acesa porque há fome há escuridão
o corpo do fantasma tem um corte
sangue, corte, há fendas
restos de alguém que esteve aqui e que nunca quis um corpo
sangue um líquido qualquer pó dos dentes
rasga um lençol que vai com o vento
2.
o fantasma é sem horror
esse texto voz por voz é coisa de gente morta
gente morta e um fantasma
se eu fosse um fantasma dentro de um vulcão nem o vulcão me veria
não há som no vento que leva todos os lençóis
os fantasmas pesam o peso sangram veias abertas
os fantasmas longe daqui
o fantasma está nos fins afiados dessa faca
o fantasma é o fim afiado dessa faca
credits
released October 1, 2019
Bernardo Girauta – rádio, sintetizador e mixer retroalimentado
Gabriela Nobre – tape, monotron, pedais de efeito, voz, texto
Gravado por Paulo Dantas e Daniel Duarte em janeiro de 2019 no Subcena, Audio Rebel.
Mixado e masterizado por Paulo Dantas (atnll)
Arte: Lucas Pires
Produção: Bernardo Oliveira e Luan Correia
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